Aspásia de Mileto e Górgias de Leontinos

Estrangeiros enfeitiçando Atenas

Autores

  • Raquel Wachtler Pandolpho Doutoranda na UFS

DOI:

https://doi.org/10.61378/enun.v8i2.171

Resumo

No presente estudo, aproximo a feitiçaria sofística de Górgias de Leontinos e a magia persuasiva de Aspásia de Mileto, perspicaz hetaira que educou o estadista ateniense Péricles. Segundo relevantes fontes doxográficas, Aspásia floresceu o estilo oratório de suas alunas e alunos, enfeitando seus discursos com tons gorgianos. Esta foi uma impressão deixada, em especial, naqueles que leram o diálogo Aspásia de Ésquines. Sem a materialidade do diálogo, resta investigar porque a doxografia, especulando sobre este Aspásia perdido, atribui ao ensino da sofista jônia marcas estilísticas caracteristicamente gorgianas. Pretendo mostrar a relevância política do poder sofístico e a influência que as técnicas oratórias do leontino, ressoando nos ensinamentos proporcionados pela milésia, desfrutaram nos debates clássicos. Comparando os epitáphioi que possuem autoria aspasiana e o único fragmento sobrevivente da oração fúnebre escrita por Górgias, destaco o fato de que essa produção sofística de orações fúnebres demonstra que, sendo estrangeiros, quando os sofistas desejavam influenciar o campo da política, precisavam exercitar as mais variadas estratégias persuasivas, exercitando a condução psicagógica. Enfatizar que a educação proporcionada pela escola aspasiana foi poderosa, a ponto de florescer um estilo gorgianizado na oratória de Péricles, não somente contribui para uma percepção mais justa da milésia, mas também para modificar a imagem de Péricles. Suponho que o diferencial entre o Péricles antes e depois de Aspásia seja exatamente a sofisticação que a força da sua palavra adquiriu por meio do aperfeiçoamento técnico-persuasivo e o refinamento com a introdução dos discursos de aparato redigidos por sua parceira e logógrafa de confiança. Por fim, a hipótese adicional é afirmar (levando a sério o testemunho de Filóstrato) que “aguçar a língua à maneira de Górgias” foi o diferencial que a educação aspasiana implantou e floresceu na oratória de Péricles. Sofisticando a sobriedade ática do orador ateniense com um estilo gorgianizado, cosmético, ornamental, enfeitado, aparatado, asiático, feminino e efeminado

Referências

ATENEU. Banquete de los eruditos. Libros XI-XIII. Trad. L. R. N. Guillén. Madrid: Gredos, 2014.

______. Banquete de los eruditos. Libros III-V. Trad. L. R. N. GUILLÉN. Madrid: Gredos, 2015.

BANDEIRA, L. T. “Os rituais de evocação dos mortos e as relações de gênero na Grécia Antiga”. In: ANPUH-Brasil. 31º Simpósio Nacional de História. Rio de Janeiro, 2021, p. 1-12.

BERNDT, T. De ironia Menexeni platonici. Ex typ. academica Coppenrathiana, 1881.

CARLSON, A. C. “Aspasia of Miletus: How one woman disappeared from the history of rhetoric”. In: Women's Studies in Communication, v. 17, n. 1, 1994, p. 26-44.

CASERTANO, G. Sofista. Trad. J. Bortolini. São Paulo: Editora Paulus, 2010. (Philosophica).

CASSIN, B. Ensaios sofísticos. Trad. L. C. Leão e A. L. Oliveira. São Paulo: Siciliano, 1990.

______. Jacques, o Sofista: Lacan, lógos e psicanálise. Trad. Y. Vilela. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.

______. O efeito sofístico. Trad. M. C. F. Ferraz, A. L. Oliveira e P. Pinheiro. São Paulo: Editora 34, 2005.

______. Se Parmênides. Trad. C. Oliveira. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.

______; LORAUX, N; PESCHANSKI, C. Gregos, bárbaros, estrangeiros: A Cidade e seus Outros. Trad. L. C. Leão e A. L. Oliveira. São Paulo: Editora 34, 1993.

CATALDI, S. “Aspasia donna sophè kaì politiké”. In: Historiká, v. 1, 2011, p. 11-66.

CÂNDIDO, M. R. “Atenas e a materialidade do ofício de aprendiz de feiticeiro”. In: Romanitas – Revista de Estudos Grecolatinos, n. 9, 2017, p. 16-25.

______. “A Violência das palavras nas imprecações jurídicas”. In: PHOÎNIX, v. 4, n. 1, 1998, p. 363-370.

______. “Kerameikos, lugar de poder e de magia na Atenas do IV a. C.”. In: PHOÎNIX, Rio de Janeiro, v. 14, 2008, p. 259-267.

______. “Magia: um lugar de poder”. In: PHOÎNIX, v. 5, n. 1, 1999, p. 255-261.

CERDAS, E. “Menêxeno. Introdução, tradução e notas”. In: Revista Archai, n. 30, 2020, p. 1-35.

CHÂTELET, F. Uma história da razão. Trad. L. Magalhães. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.

DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs. Trad. P. P. Pelbart e J. Caiafa. São Paulo: Editora 34, 2012. v. 5.

DIELS, H.; KRANZ, W. I pressocratici. Trad. G. Reale. Milano: Bompiani, 2006.

DUESO, J. S. “Aspasia de Mileto: la metáfora y el personaje”. In: GARCÍA LARRANAGA, María Asunción; ORTIZ DOMINGO, José (ed.). El eco de las voces sinfónicas: escritura y feminismo. Zaragoza: Prensas Universitarias de Zaragoza, 2008, p. 287-300.

______. Aspasia de Mileto: Testemonios y discursos. Barcelona: Anthropos, 1994.

FILÓSTRATO. “Vidas dos Sofistas”. In: CUNHA NETO, O. Sofística segundo Filóstrato: interpretação, estudo e tradução das Vidas. Campinas: Unicamp, 2016.

FINLEY, M. I. Os gregos antigos. Tradução de Artur Mourão. Lisboa: Edições 70, 2002.

FOUCAULT, M. Aulas sobre a vontade de saber. Trad. R. C. Abílio. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2014.

GIOMBINI, S. “Há algo novo na Helena de Górgias?”. In: Nuntius Antiquus, v. 12, n. 1, 2016, p. 27-45.

______. “Aspasia di Mileto e la retorica di V secolo”. In: Annali della Facoltà di Lettere e Filosofia, Università degli Studi di Perugia, v. 4, 2003, p. 5-20.

GLENN, C. “Sex, lies, and manuscript: Refiguring Aspasia in the history of rhetoric”. In: College Composition and Communication, v. 45, n. 2, 1994, p. 180-199.

GUTHRIE, W. K. C. Os sofistas. Trad. J. R. Costa. São Paulo: Editora Paulus, 1995.

HENRY, M. M. Prisoner of history: Aspasia of Miletus and her biographical tradition. Oxford: Oxford University Press on Demand, 1995.

JARRATT, S.; ONG, R. “Aspasia: Rhetoric, Gender, and Colonial Ideology”. In: LUNSFORD, A. A. (ed). Reclaiming rhetorica: Women in the rhetorical tradition. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 1995, p. 9-24.

KAHN, C. H. “Aeschines on Socratic eros”. In: VANDER WAERDT, P. A. (ed.). The Socratic Movement. Ithaca, NY: Cornell University Press, 1994, p. 87-106.

______. Plato and the Socratic dialogue: The Philosophical Use of a Literary Form. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.

KERFERD, G. B. O movimento sofista. Trad. M. Oliva. São Paulo: Edições Loyola, 2003.

LORAUX, N. “A democracia em confronto com o estrangeiro”. In: CASSIN, B.; LORAUX, N; PESCHANSKI, C. Gregos, bárbaros, estrangeiros: A Cidade e seus Outros. Trad. L. C. Leão e A. L. Oliveira. São Paulo: Editora 34, 1993.

______. “Aspasie, l’étrangère, l’intellectuelle”. In: Éditions Belin, n. 13, 2001, p. 17-42.

______. Invenção de Atenas. Trad. L. Valle. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994.

MARQUES, M. P. “Os sofistas: o saber em questão”. In: FIGUEIREDO, V. (org.). Filósofos na sala de aula. São Paulo: Berlendis & Vertecchia, 2007. v. 2, p. 11-45.

MÁRSICO, C. Socráticos, Testimonios y fragmentos. Buenos Aires: Losada, 2014. v. 1-2.

MONOSON, S. S. “Remembering Pericles: the Political and Theoretical Import of Plato’s Menexenus”. In: Political Theory, v. 26, 1998, p. 489-513.

MORI, V. “‘Contento abbraccio / Senno con libertà’. Note a margine del ‘processo’ ad Aspasia”. In: Working Papers - Centro di ricerca per l'estetica del diritto. Pubblicato il 5 settembre 2016, p. 1-13.

PESCHANSKI, C. “Os bárbaros em confronto com o tempo”. In: CASSIN, B; LORAUX, N; PESCHANSKI, C. Gregos, bárbaros, estrangeiros: A Cidade e seus Outros. Trad. L. C. Leão e A. L. Oliveira. São Paulo: Editora 34, 1993.

PLUTARCO. Vidas Paralelas: Sólon e Publícola. Trad. D. F. Leão e J. L. L. BRANDÃO. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012.

______. Vidas Paralelas: Péricles e Fábio Máximo. Trad. A. M. G. Ferreira e Á. R. C. Rodrigues. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010.

REBOUL, O. Introdução à retórica. Trad. I. C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

ROMEYER-DHERBEY, G. Os sofistas. Trad. J. Amado. Lisboa: Edições 70, 1986.

SOUSA, A. A. A.; PINTO, M. J. V. Sofistas: Testemunhos e Fragmentos. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2005.

TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Trad. M. G. Kury. Brasília: Ed. Universidade de Brasília. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2001.

UNTERSTEINER, M. A obra dos sofistas: uma interpretação filosófica. Trad. R. Ambrósio. São Paulo: Editora Paulus, 2012.

Downloads

Publicado

2024-01-24